Fazer um panorama dos orçamentos que o governo federal destinou a cada área, entre 2019 e 2022, permite constatar que a desigualdade social se agravou. Foi ao optar pelo esvaziamento de verbas de políticas sociais que o governo Jair Bolsonaro encerrou a gestão com um superávit de R$ 54,1 bilhões, de acordo com o relatório Depois do Desmonte, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), divulgado nesta segunda-feira (17).
Na época, o superávit foi destacado como o melhor resultado desde 2013. Uma das áreas que mais sofreram redução orçamentária foi a de proteção a mulheres, mesmo sendo uma das bandeiras do extinto Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Segundo o Inesc, o Ligue 180, canal que recebe denúncias de violência contra a mulher, teve uma diminuição de 41% dos gastos, ao longo dos quatro anos de Bolsonaro.
Outro equipamento importante, de formalização de denúncias e acolhimento das vítimas, a Casa da Mulher Brasileira foi mantida sob estagnação, em 2019, quando nada foi gasto. Somente naquele ano, houve a promessa da então ministra da pasta, Damares Alves, de inaugurar mais cinco unidades: no bairro de Cambuci, na capital paulista, na Ilha de Marajó (Pará) e no Amazonas e também em dois pontos da periferia do Distrito Federal.
Em 2020, os recursos usados para a Casa da Mulher Brasileira, em todo o país, somaram R$ 225,2 mil. No ano seguinte, subiram para R$ 1,2 milhão e em 2022, para R$ 21,2 milhões.
Em relação à população feminina, os recursos disponíveis para as ações permaneceram no mesmo patamar, de R$ 56,6 milhões, quando se comparam os anos de 2019 e 2022. Além disso, em 2020, no primeiro ano da pandemia de covid-19, apenas 29,4% da verba reservada para esse fim foi utilizada.
Ainda em relação a minorias sociais, a posição anti-indígena de Bolsonaro se refletiu na dotação da então Fundação Nacional do Índio (Funai). De 2019 a 2022, a quantia à disposição do órgão caiu de R$ 754 milhões para R$ 640 milhões. Conforme aponta o Inesc, em 2010, o orçamento per capita da fundação era de R$ 899/indígena, enquanto, em 2022, era de menos da metade desse valor, R$ 400/indígena. O relatório do instituto destaca também que o número de servidores da Funai, para cada mil indígenas, caiu 68% no período, o que também evidencia como Bolsonaro conduziu a política indigenista.
Quanto às ações de igualdade racial, o Inesc lembra que, de 2019 para 2020, o montante baixou de R$ 18,2 milhões para R$ 3 milhões. Em 2021, o valor chegou a ser quase inexpressivo, de R$ 231,1 mil, recuperando-se somente no ano seguinte, quando foi aumentado para R$ 6,9 milhões. Outro exemplo de recurso que só foi expandido no último ano de governo, quando Bolsonaro se preparava para tentar a reeleição, foram os gastos com cestas básicas para quilombolas, que saíram da casa dos R$ 19 milhões, em 2019 e 2020, para R$ 298,4 milhões.
No balanço dos gastos da União, o Inesc faz referência a outras rubricas, como as relacionadas à manutenção de creches, que caíram 60%, em quatro anos de governo, à educação e à habitação. Outros dados também mostram como o governo passado rompeu o compromisso com instituições como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que apresentou uma queda de 32% no orçamento.
Além dos cortes, o governo Bolsonaro adotou uma manobra para ganhar apoio no Congresso Nacional, com a liberação de verbas a parlamentares. O orçamento secreto é mais um dos aspectos abordados pelo Inesc no relatório e representa as prioridades de Jair Bolsonaro e a forma como comandou, na avaliação da economista e doutora em políticas sociais Nathalie Beghin, que integra o colegiado do Inesc.
“Quem se beneficiou, essencialmente, foram os parlamentares, às custas do povo mesmo. Trinta bilhões. De 2020 a 2021, foram mais de R$ 30 bilhões que foram para os parlamentares da base do governo Bolsonaro. É um quarto do orçamento da saúde, era, antigamente, um Bolsa Família. É um orçamento que foi para a base, que a gente não conhece, porque se chama ‘secreto’ por isso mesmo, porque a gente não sabe muito bem qual parlamentar foi beneficiado e recebeu esse recurso”, afirma.
Para a especialista, mesmo com os adicionais provenientes da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que garantiu, por exemplo, R$ 22,7 bilhões somente para o Ministério da Saúde, o governo federal deverá enfrentar dificuldades para reestruturar programas e políticas.
“Não poderia dizer que uma área está com recursos satisfatórios, porque todas perderam muito dinheiro, que não foi substituído pela PEC da Transição. Continuamos aquém do que seria o ideal. O que foi acordado com a PEC foi para dar um respiro para começar a trabalhar em uma terra arrasada. A dívida social, racial, de gênero é muito grande”, diz Nathalie.
A Agência Brasil entrou em contato com Fábio Wajngarten, que, atualmente, assessora o ex-presidente da República Jair Bolsonaro, mas não teve resposta até o fechamento desta matéria.
Por Agência Brasil